Marciano, para sempre inimitável

A música sertaneja amanheceu com mais um despedida, dolorosa e precoce. Marciano, um dos grandes que marcaram o história do gênero, faleceu durante a madrugada.

Dono de uma voz inconfundível, José foi um exemplo de artista que chegou ao topo sem incorporar o personagem Marciano a todo o momento, coisa rara no meio sertanejo. Fora dos palcos, era um cara simples, que beirava a timidez em alguns episódios. Me recordo de um dos encontros com ele, há cerca de vinte anos, para uma entrevista para o extinto portal “Porteira Paulista”. Com o desenrolar do bate-papo, Marciano foi se soltando e acabou revelando algumas passagens muito interessantes da sua vida. E quantas histórias ele tinha pra contar.

Aqui cabe uma curiosidade nunca antes revelada. Na época, que não contava com a tecnologia de agora, usávamos um gravadorzinho com aquelas miniaturas de fita K7. Tínhamos duas fitas, que comportariam duas horas de gravação, mais que suficientes para todos os artistas até então sabatinados. E não é que o Marciano bateu essa marca? Foram tantos deliciosos relatos, que a coisa se estendeu por mais uns vinte minutos. Meu parceiro, que manipulava o gravador, não teve coragem de interrompê-lo quando a fita acabou, e continuamos como se nada tivesse acontecido.

Dentre as pérolas, Marciano contou sobre um dos seus primeiros empregos, numa livraria perto da Universidade Mackenzie, região central de São Paulo. Sem dinheiro, ele caminhava da Zona Leste da capital até o emprego, um trajeto longo demais para ser percorrido a pé. Prova da persistência que seria uma constante em sua carreira musical. Com João Mineiro foram inúmeros sucessos: “Ainda Ontem Chorei de Saudade”, “Seu Amor Ainda É Tudo”, “Se Eu Não Puder Te Esquecer”, “Paredes Azuis”, “Crises de Amor”, entre tantas outras.

Quando pergunto se havia ficado alguma mágoa da separação, Marciano para por um momento, reflete e nega (um relance de timidez volta claramente a surgir nesse momento), porém sem nenhum pingo de veemência. Nota-se que ele prefere mudar o rumo da prosa, falar do sucesso, sem ter que detalhar os espinhos.

Em outro momento de emoção, questiono se ele tem alguma coisa que ficou incompleta em sua história até então. Marciano, com os olhos marejados, lembra da falecida mãe e afirma que gostaria que ela tivesse visto seu sucesso e fala de um imóvel na praia, desejo de consumo que chegou depois da despedida e ela não pode conhecer.

Infelizmente a entrevista se perdeu, publicada no site que há muito deixou de existir. Mas ficou eternizada na nossa memória. Assim como as composições de Marciano (“Fio de Cabelo” é apenas um dos exemplos) e suas inigualáveis interpretações. “Caro Amigo”,  com Chitãozinho & Xororó, é uma das minhas preferidas.

Marciano se vai mas deixa um legado. De inimitável passa a ser (também) inesquecível. E hoje, o sentimento é que o título  que batiza um de seus hits retrata o momento: “Viola Está Chorando”.

Carlos Guerra / Porteira Brasil

Foto: Chris Oliver

 

 

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